Aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira: as perspectivas trazidas pela nova Lei do Agro

Renato Almeida Viana e Ana Flávia Barros Moreira

O cenário atual trazido pela pandemia do covid-19 acabou tomando, nos últimos meses, grande espaço nos veículos de informação, dada a situação atípica que se instalou. Conquanto seja imprescindível não nos distanciarmos desse assunto e atentarmos para essa nova realidade, outros temas importantes para a economia brasileira merecem (e devem) ser analisados com urgência e parcimônia.

Um desses temas refere-se à aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira com as limitações impostas pela lei 5.709/71 e as recentes alterações trazidas pela lei 13.986/20, alcunhada de “Lei do Agro”, publicada em 07.04.20 no Diário Oficial da União.

O debate em torno da lei 5.709/71 [1], que regula a aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira, assumiu importante posição nas discussões jurídicas nos últimos anos, notadamente no tocante à interpretação do §1º do art. 1º e o enquadramento da sociedade estrangeira, com posicionamentos contraditórios adotados pela Advocacia Geral da União sobre o tema, ora entendendo na linha da não recepção desse dispositivo pela Constituição Federal de 1988 (v.g. Parecer AGU/GQ-22/1994 [2]), ora entendendo em sentido contrário a isso (v.g. Parecer CGU/AGU 01/2010 [3]).

Assim, a Lei do Agro, que já em seu nascedouro [4] teve o claro objetivo de facilitar o trânsito de crédito rural, fomentando sua concessão e instituindo mecanismos para reduzir os seus custos, veio atender aos anseios de um setor econômico que, segundo pesquisas realizadas pelo Cepea/USP, correspondeu, em 2019, a 21,4% do PIB Nacional [5], fazendo frente à balança de comércio brasileira e trazendo a atenção de investidores estrangeiros para o agronegócio no país.

Com esse pano de fundo, e tendo como foco principal a atração de investimentos estrangeiros, a primeira celeuma sanada pela Lei do Agro consiste na previsão expressa (inciso II do art. 51) da não incidência das limitações impostas pela lei 5.709/71 em relação à constituição de garantia fiduciária de imóvel rural em favor de pessoa jurídica estrangeira. Antes, embora essa constituição não fosse vedada (e até aceita doutrinariamente [6]), também não era expressa, causando ao investidor extrema insegurança jurídica na celebração dos negócios, maximizando os seus custos de transação e, via de consequência, elevando os custos do próprio crédito rural ao afugentar a principal garantia tida hoje no ordenamento jurídico para mitigação de riscos.

Esse ponto é extremamente relevante, pois supera a insegurança do credor fiduciário nessa condição, que, na hipótese de inadimplemento, estaria impossibilitado de consolidar-se na propriedade do imóvel garantidor do crédito, na forma do procedimento de excussão extrajudicial previsto na lei 9.514/97.

A novel legislação (inciso III do art. 51) também afasta do campo de incidência limitador da lei 5.709/71 as hipóteses de recebimento, pela pessoa jurídica estrangeira, de bens imóveis rurais decorrentes de liquidação de transações celebradas, por meio da constituição de garantia real, da dação em pagamento ou por “qualquer outra forma”.

Diante desse cenário, em que pese a louvável iniciativa da Lei do Agro de fomentar o agronegócio nacional, há de se considerar a possibilidade de eventual discussão sobre a constitucionalidade de tais dispositivos, à luz do texto constante do art. 190 da Constituição Federal. Tal discussão, contudo, não merece prosperar, pois referido dispositivo constitucional relega à legislação ordinária a disciplina atinente à aquisição de propriedades rurais, o que ocorreu no presente caso.

Não é demais destacar, também, que tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 2.936/19 [7], de autoria do Senador Irajá, que tem por objetivo “disciplinar a aquisição, todas as modalidades de posse, inclusive o arrendamento, e o cadastro de imóvel rural em todo o território nacional por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras”, o que pode, num futuro próximo, facilitar ainda mais os caminhos para os investidores estrangeiros neste sempre tão promissor negócio.

Desse modo, tem-se que as alterações propostas pela Lei do Agro irão, certamente, viabilizar a realização de novos negócios com empresas estrangeiras, considerando a mitigação dos riscos posta pela facilitação na constituição de garantias para o recebimento do crédito, fomentando, ainda mais, o gigantesco agronegócio brasileiro.

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[1] A polêmica se instalou há décadas, tendo sido objeto de estudos pelo Senado Federal sob a ótica da análise econômica dos impactos decorrentes disso. Para acesso ao relatório: clique aqui. Acesso em 18 mai. 2020.

[2] Disponível em: clique aqui. Acesso: 19 mai. 2020.

[3] Disponível em: clique aqui. Acesso: 19 mai. 2020.

[4] A Lei do Agro surgiu da conversão da medida provisória 897/19. Acesso: 19 mai. 2020.

[5] Disponível em: clique aqui. Acesso em: 17 mai. 2020.

[6] Melim N. Chalhub já dizia que “A alienação fiduciária de bem imóvel rural em garantia em favor de pessoa física ou jurídica estrangeira, ou a esta equiparada, não se submete às restrições estabelecidas pela Lei nº 5.709/1971, constituindo essa autorização, entretanto, requisito para consolidação da propriedade no patrimônio dessas pessoas, em caso de inadimplemento da obrigação garantida e consequente de excussão do bem, ou para dação do direito eventual do fiduciante em pagamento da dívida garantida (Lei nº 5.709/1971, Código Civil, arts. 1.228, 1.361, 1.367 e 1.419, e Lei nº 9.514/1997, arts. 22 e seguintes).” (CHALHUB, Melhim Namem. Alienação Fiduciária de imóveis rurais a estrangeiro. Disponível clicando aqui. Acesso: 17 mai. 2020).

[7] Disponível em: clique aqui. Acesso: 18 mai. 2020.

Aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira: as perspectivas trazidas pela nova Lei do Agro – Publicado em 21/5/2020 – Clique aqui para acessar o link da publicação no Migalhas.

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